A vida tem destas coisas
que nascem como amor e morrem como enganos. E quando é assim, antes de morrer,
parece que quebra tudo dentro da gente. Dilacera coração. Devasta o interior.
Degrada a alma. Feito tempestade que não
perdoa o chão. Tenho sete arcos íris. Só por isso.
Precisei morrer algumas
vezes pra nascer de novo.
Em pelo menos três,
nisso tudo, existia você. Entre as mortes e os arco íris. Estava você, que ainda não vi
morrer para renascer. E que precisava.
A primeira delas eu
estava grávida. Na contramão da física, fiquei opaca. Perdi o riso fácil. Tinha
vergonha das minhas faltas e angústias. Abandonei espelhos e fotografias. Não
reconhecia aquela imagem cinza e sem brilho que era meu reflexo. Lutei contra
aquela dor, sem saber se doía o abandono, as promessas descumpridas, ou... O
fato de estar vivendo o momento mais importante da minha vida, sem me permitir comemorar
a magia de ter vida em mim. Pior que morrer, é sentir vontade de morrer.
Eu lutei, antes de ir.
Agarrei-me às certezas que você me deu. Entre elas, a de que tudo iria terminar
bem. Em particular, alimentei outra, a de que brotava em mim o fruto de um grande
amor. O nosso. E por fim, me prendi à certeza do seu amor covarde. Que não teve
peito pra viver por nós. Que se escondeu, com medo de julgamentos e perdas sem
sentidos, enquanto eu lutava contra dor e solidão.
Eu sentia teu amor, mas,
vivi apenas o resultado da tua falta de coragem.
Sabia que um dia você se
daria conta de tudo isso, e correria pra mim, como em cena de filme romântico:
- numa praia ou no aeroporto, tendo como
fundo musical "Mesmo de Brincadeira", interpretada pelo
Emmerson Nogueira, bem como apreciávamos no seu carro enquanto estávamos na
estrada ou parados pra ver as estrelas e fazer nosso céu. E então, embora não
tenha acontecido nenhuma produção cinematográfica, você veio mesmo. Declarou-se
e, com os mesmos olhos sedentos de amor, me fez acreditar que era daquela vez.
Eu pulei do abismo. Sempre fui de acreditar em milagres. E foi a segunda vez
que morri.
Antes de partir,
agonizei no chão e, enquanto sangrava, eu via sua imagem lá em cima,
cabisbaixo, recolhendo as asas que te dei. Mais uma vez, você me deixou ir.
Renasci mais forte.
Carregando marcas e cicatrizes de uma crença que sobrevive em mim: O Amor. Não
me arrependi. É sublime viver isso. E me prova o quanto fui valente e vivi o que acreditava. Era real pra mim. Me orgulha a valentia e a mania de ter fé na vida.
Da última morte, você também
faz parte. Como se já não fosse o suficiente, meu amor lhe concedeu outra
chance. Era a nossa hora, meu coração sussurrava. E eu enxerguei, feito flor em jardim, a
coragem brotar nos seus olhos. Era a primeira vez que vi suas asas prontas ao voo.
Com seus passos de passarinho, te vi preparando para me entregar nosso céu. Sentíamos-nos
cúmplices. Intimidade, proximidade,
sonhos talhados, um a um, em união. Era mesmo o nosso tempo de voar.
E eu te amava inteiro. E
ainda mais, amava a valentia que nascia em detalhes.
Sujeitei-me à espera... Tornei-me
paciente e vibrava com cada pequeno passo teu. Eu te enxergava por dentro. Aceitava tuas
fraquezas e demoras. Acreditava em toda palavra... Enxergava verdade em todas
elas... E nos prometemos felicidade. Companheirismo. Lealdade. Alegria.
Nosso riso era fácil.
Nosso caminhar parecia em compasso. E, outra vez, ainda mais confiante que as
outras e tomada pelo amor que me movia, eu pulei. E então, do chão, enquanto
sangrava e chorava a traição, eu te via no alto. Ainda triste. Cabisbaixo. Tentando
se convencer que era o melhor pra você, enquanto perdia as asas. Enquanto se
despia da valentia. Não olhou pra baixo. Não me viu. Mais uma vez, me deixou
sem final. Eu renasceria outra vez.
Ainda estou morrendo. Amargando
na boca o engano. E lutando para salvar a fé no amor. O amor não tem culpa
nenhuma disso. Pareço ter perdido a consciência. Talvez, eu tenha me perdido.
Falei meia dúzia de palavrões. Nunca havia dito. E enquanto morro, salvo a imagem de alguém que
sempre defendeu o direito do outro tentar... e o meu de confiar em alguém. Vão
morrendo as lamentações. E já quase inexpressiva, desfaleço. E não te vejo mais.
Sinto chegar o arco íris. É dele que vou renascer. Todas as vezes que renasço,
sinto apertar no corpo uma alma grande de amor e fé. É bem assim que quero
seguir. Sem saber se o que me espera é terra ou céu.
No mais. Voltei a usar
minhas asas. Enquanto o universo me borda um novo amor, de olhar confiante e
asas fortes, com alma de passarinho. Mas, com coragem de leão faminto.
Os dias passaram e eu nem vi.
Noites mal dormidas, sem sonhos.
Os sonhos dormiram. E eu vi.
Dias perdidos de Sol. Sem sombras.
As flores nasceram azuis e eu não vi.
As lágrimas fugiram pra dentro de mim. Me partiram. Eu parti.
Não vi meus pedaços. Nem meu sangue. Eu não me vi.
Nasceram mil novas palavras e eu não escrevi.
Renasceu a palavra dor. E nunca morreu, o amor.
Doem as pontas dos dedos destas mãos que floresciam vida por ti.
Ferida alma, feito fera, revira o tempo de dentro.
Os olhos cegos pra dentro, já viram o milagre do sol às sete da noite.
Tinha luar nas quatro paredes do quarto. Tinha estrelas no teto do carro.
Era. Outra era. Era mesmo. Amor. Dentro. Em mim.
Fugi daqui de dentro, sem explicação. Só para não te encontrar outra vez.
Porque é em mim que te encontro.
Volto e revolto. Pairo nos ponteiros do relógio.
Me solto. Grito em silêncio.
Dói a falta. Dói o engano. Dói o tempo.
Morre a poesia.
"Eu sou maior do que era antes"
E as cores sempre voltam aos céus. E as flores não deixam de nascer.
E a vida insiste na poesia, enquanto as lamentações escrevem prosas num espaço escondido em mim.
Perde força a voz. Ganha espaço o silêncio. Numa luta que desbrava aqui no peito os caminhos de volta. Luta sem vencedor.
Fica tudo bem. Sempre fica.
A gente recolhe os sonhos e plastifica as histórias. O eterno nunca foi matéria. Abstração do mundo. O amor é.
Relembra, vez ou outra, o tamanho de um amor em rodeios. Parecia maior que eu. Parecia mais forte que nós. Mas, foi frágil. Deixou-se perder no ciclo covarde das convenções.
Amor. É imperioso. Soa gemido no vácuo da desilusão. Mas, retoma o caminho. Volta pra onde nasceu. Guarda voz e letras até o dia de nascer de novo.
É maior.
De perto e de longe. Dos passos largos e lentos, sondando em
si as possibilidades do sim e do não. Era uma estrada densa entre flores e
espinhos. Desconhecida. Vasta do poder de decisão. Amor fecundo no asfalto. Na
dor opaca do chão nascem as flores.
Do silêncio mudo de suas mãos, a reposta sempre estava no
barulho da alma. Era a imersão devastando as profundezas de si. Uma pitada de
coração em toda direção.
Cresceu. Evoluiu. E de onde posso ver, noto os passos ainda
largos e lentos, encorajados pelo impulso de ser seu. Abraçou-se. Percebeu o
poder dos braços. Entregou-se à sabedoria de viver passarinho abrindo as asas.
Frágil com seu corpo de papel de seda e taquara, ela voa
vaidosa, enfrentando as tempestades dos céus. Não empina com brisa.
Cresce e sobe para descobrir em cada vento contrário uma
oportunidade de voar mais.
Pinta os céus com suas cores e segue, dando
voltas suaves como se tivesse a sabedoria de ver lição nas dificuldades.
Ela baila pelos céus e conquista o azul, toca
as mãos do Sol e retorna. Se recolhe na aurora das tardes, longe das alturas e
contempla a terra. Amanhã sabe que o Sol lá, outra vez, estará. E volta a pipa,
nem sempre na mesma trajetória, mas sempre alegre e disposta a ganhar a
imensidão dos céus.
Deus dá às pipas um céu imenso só porque sabe
que existe nelas, mesmo com seu corpo frágil, a condição de conquistá-lo.