Cor, Alegria e Amor

Que a sua vida tenha cor, alegria e amor.

Entre, "sinta-se" e descubra quanta cor há em você!

sábado, 17 de novembro de 2012

Recordando a Descoberta

Fui uma criança como todas as outras. Gostava de brincar, de sorvete, de balas, de jogos na rua... e de ouvir histórias. Meu pai se esforçava bastante. E tinha uma criatividade fora do comum. Até meus nove anos, por exemplo, eu acreditava que eu tinha vindo do calcanhar da minha mãe. Meu pai não se contentou com a história da cegonha.

Meu gosto pela música e pelas letras, nasceu bem cedo, embora eu não tivesse muitos recursos. Meu sonho era ganhar a enciclopédia BARSA, lembram? E encher uma estante de muitos livros de literatura. Mas, eu não era de entristecer por pouco. E eu sempre dei um jeito. Não tive a BARSA, mas tive uma outra enciclopédia razoável, que ganhei plantando café, quando meu pai tinha viveiros de café. E frequentava a biblioteca municipal em busca dos livros literários.

Sempre achei muito bonito trabalhar! Achava lindo meu pai chegar em casa, todo sujo da obra, tirar o boné na porta, passar para o banheiro, lavar as mãos e o rosto, e se sentar, muito feliz, entre a família para almoçar. Eu tenho um orgulho imenso do meu pai!

Então... Hoje encontrei um texto que li pela primeira vez eu tinha 15 anos, O ELEFANTE, de Carlos Drummond de Andrade, do livro A Rosa do Povo. Este texto mexe profundamente comigo. Porque eu me vi ali, me descobri, com 15 anos e hoje, com quase 30, ele me causa a mesma sensação. E me felicito em saber que, com poucos recursos, sempre irei criar meu elefante. E meu elefante é COLORIDO! Tem muita alegria e muito amor:  "Amanhã recomeço"

Abaixo, o poema recitado por Paulo Autran.




O Elefante
Carlos Drummond de Andrade


Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê em bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
Carlos Drummond de Andrade
(Em A Rosa do Povo)

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